Flats

Flats Resistem

Na capital paulista, empreendimentos com serviços de hotelaria renovam o setor com produtos segmentados para atrair investimento e morador.

Jéssica Díez Corrêa, especial para O Estado.

A palavra “flat” caiu em desuso. O termo ficou famoso no Brasil na década de 1970 ao ser usado para designar um residencial com serviços hoteleiros, mas perdeu o apelo de sofisticação e virou sinônimo de mico no mercado imobiliário, depois da bolha enfrentada no início dos anos 2000.

Com super oferta, a taxa de ocupação ficou em 25%. “Foi tenebroso, muito aquém da expectativa”, conta o vice-presidente de Assuntos Turísticos Imobiliários do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Caio Calfat.

De 2004 a 2009, não foram lançados novos produtos em São Paulo. Somente a partir de 2010, nos prelúdios da Copa do Mundo no Brasil, a produção retornou. O Relatório Anual 2017 da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp) identificou 5.339 novos quartos na cidade até o final de 2014. De lá para cá, os lançamentos foram ínfimos. Ainda assim, a proprietária da imobiliária Olivver Flats, Shirley Sorvilo, afirma: “Estamos saindo paulatinamente dessa crise”.

Apesar do histórico negativo, a demanda por serviços que atendam às necessidades de uma rotina cada vez mais desgastante em um importante polo de negócios como São Paulo continuou crescente. Com isso o segmento se mantém ativo, mesmo com os poucos lançamentos registrados a partir de 2014.

Ao mesmo tempo, na tentativa de se renovar, o mercado passou a reforçar o uso de outras denominações para esse tipo de empreendimento: estúdios, residenciais com serviços, apartamentos long-stay, condo-hotéis. Cada um deles possui suas características próprias, mas todos convergem para um mesmo ponto: assim como o flat, oferecem diferentes facilidades e serviços aos seus ocupantes.

“É muito prático para quem vive viajando. Eu tranco a porta e viajo feliz”, afirma a arquiteta Vivian Coser, 35 anos. Natural do Espírito Santo, ela vive em um condo-hotel localizado no Jardim Paulista há mais de dois anos. Diariamente, há serviço de arrumação e limpeza de seu quarto de 40 m².

A arquiteta Vivian só vê vantagens em morar em flat. 

O tamanho reduzido é próprio desse tipo de empreendimento. Segundo a Embraesp, a área média tem caído expressivamente desde 2013, alcançando 30,84 m² no ano passado. “São compactos. Há a partir de 10 m²”, informa Alexandre Frankel, dono da construtora Vitacon, que atua no segmento.

Para o engenheiro civil Luiz Antônio Araújo, de 72 anos, o espaço reduzido foi uma desvantagem. “O tamanho me obrigou a fazer uma revisão de hábitos antigos.” Ele, no entanto, viveu por três anos em um flat, cheio de facilidades, no Ibirapuera. Na taxa mensal, estavam inclusos: mobiliário e eletrodomésticos, água, TV por assinatura, gás, limpeza, arrumação de cama, manutenção, serviço de valet, vaga na garagem, segurança e portaria 24 horas.

Desmistificando a ideia do executivo que vive de quarto em quarto, o público desse segmento imobiliário é variado. Douglas Nobre, de 22 anos, é digital influencer e mora com uma amiga em um estúdio de 37 metros quadrados na Vila Clementino. “Minha mãe foi embora para Minas Gerais, mas eu fiquei porque minha vida toda está aqui”, afirma.

Pessoas de outros Estados em moradia temporária na cidade formam o perfil clássico de quem procura residenciais com serviços. A avaliação é do gerente comercial da MAC Construtora, Ricardo Pajero, que trabalha com empreendimentos long-stay (veja Glossário abaixo).

Além deles, Pajero ressalta outro nicho: “Chamamos de jovem ‘vida leve’. São pessoas que utilizam a tecnologia a seu favor, contratam serviços por aplicativos, não usam carro no dia a dia e otimizam os recursos”.

Diferentemente dos investidores, a dentista Talita Helfenstens, de 30 anos, adquiriu um estúdio de 33 m² no Brooklin Paulista para morar. Tomou a decisão depois de se surpreender positivamente com a estrutura das áreas comuns do condomínio. “Os serviços hoteleiros foram um plus”, diz.

O Brooklin está entre as regiões que mais concentram produtos do segmento. Além dele, estão Paulista, Itaim Bibi, Vila Olímpia, Berrini, Faria Lima, Jardins e Moema. “O forte é a zona sul”, garante Shirley.

Valores: Levantamento do portal Imovelweb, que informa possuir cerca de 45 mil anúncios de imóveis do tipo, apurou que o preço médio para locação de um flat de até um dormitório é de R$ 2.737,00. Para venda, o valor é R$ 386.645,00.

“É caro, compromete uma parte bem razoável do meu salário”, admite o analista de negócios Leandro Kojima, de 29 anos, que, no entanto, diz que vale a pena. Além do aluguel, quem pretende morar em um desses empreendimentos deve se preparar para a taxa condominial. Segundo Shirley, o valor médio do condomínio fica em torno de R$ 1.200 mensais.

Pajero, entretanto, afirma ser possível manter os serviços sem elevar muito o custo. “Como os apartamentos estão menores, os projetos possuem mais unidades e o rateio destas despesas não encarece tanto a taxa de condomínio.”

Vantagens

Praticidade: O morador não precisa se preocupar com questões rotineiras, como limpeza e manutenção.

Segurança: Os condomínios oferecem portaria e serviços de segurança 24 hrs por dia.

Localização: Os empreendimentos, via de regra, estão nas áreas mais valorizadas e atraentes da cidade.

 

Desvantagens

Rotatividade: Como as Locações de flat, são geralmente para períodos curtos, há mais rotatividade de pessoas, dificultando a relação entre vizinhos.

Impessoalidade: As unidades dos flats já vêm com Mobiliário específico padronizado e não refletem a personalidade do morador.

Custo: Por conta da alta variedade de serviços, as taxas condominiais costumam ser mais altas qua as de um conjunto residencial padrão.

 

Em São Paulo, super oferta fez bolha estourar

O fenômeno dos flats chegou ao Brasil em meados de 1974, em Copacabana. O produto posicionado para a classe média alta trazia como diferencial uma extensa lista de serviços hoteleiros.

Os empreendimentos foram bem sucedidos no mercado. A taxa de retorno do investimento dos flats chegou, segundo as Embraesp, a 1,3%. Ou seja, o aluguel cobrado correspondia a esse porcentual do valor de venda da unidade. Para um apartamento padrão, naquele período, o retorno variava entre 0,3% e 0,5%.

A possibilidade de investimento imobiliário lucrativo fez com que a oferta crescesse. Na década de 1990, a quantidade de quartos de flats na capital paulista se igualou às habitações disponíveis em Nova York. Cerca de 30 mil novas unidades foram introduzidas no mercado.

O resultado foi a desvalorização dos empreendimentos no início dos anos 2000. “Alguns empreendimentos não chegaram nem a abrir, porque mantê-los aberto era mais custoso do que deixar o patrimônio fechado”, relembra o professor do Núcleo de Real Estate da Poli-USP, João da Rocha Lima Jr.

 

GLOSSÁRIO:

Flat
Edifício residencial com serviços hoteleiros administrado por uma administradora ou rede hoteleira. Alem de hospedagem , oferece a possibilidade de locações por períodos curtos ou longos. Também é chamado de apart-hotel.

Condo-hotel
Assim como o flat, é um edifício residencial com serviços hoteleiros gerenciado por uma administradora ou rede hoteleira. A diferença é que todas unidades fazem parte do pool de locação.

Residencial com serviços
Edifício estritamente residencial com serviços hoteleiros, tais como limpeza das unidades, manutenção, recepção, concierge, aulas e manobrista.

Long-stay
Edifício residencial com serviços hoteleiros e com tempo mínimo de locação. Não é necessário fiador para o aluguel.

Estúdio
Residencial com um dormitório e área reduzida. Geralmente possui serviços hoteleiros e alta rotatividade de locatários.

Pool de locação
Conjunto de unidades de um edifício residencial com serviços hoteleiros gerenciado por uma administradora ou rede hoteleira. Os apartamentos são alugados por diárias.

 

Matéria publicada no jornal Estado de São Paulo em 1 de Julho de 2018/ Imóveis/ Jéssia Diez Correa.

FOTO DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

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